Folhas ao vento

As folhas do calendário se desprendem como se levadas pelo vento. Voam, deixam rastros de dias, semanas, meses. Amarelecidas, conduzem presente e futuro ao misterioso mundo do passado.

*

A lei dos tempos é implacável. Muda crenças e costumes, contempla conquistas e descobertas. Não perdoa quem se acomoda e adormece.

*

Com olhos vedados, a deusa justiça é prisioneira de sua própria incapacidade de enxergar as injustiças.

*

Brincar de misturar cores, fixar os olhos no azul que nos cobre, na delicadeza de suas variações, abraçar o verde que nos rodeia, acenar para o cinza do concreto.

*

A noite esconde as grutas da esquina, de onde saem os que se encantam com as estrelas, com o luar que convidam para o amor, os que se maravilham com o sabor da existência.

*

A dança é um prolongamento da música. O ser humano foi criado para dançar a beleza do universo. Na natureza, tudo que é belo dança. É fácil sentir a coreografia das ondas e das árvores, das aves e dos peixes.

*

Desenho paisagens com flocos de nuvens, construo palácios com a brisa que acaricia as árvores. As mãos da aventura riscam as linhas do futuro.

*

Noite, dia, dia, noite. As sombras fazem parte da vida. Não tema a escuridão, acenda uma luz e prossiga a caminhada.

*

A noite tem muitas luas, escolha uma, o futuro não espera.

*

A educação é o alicerce da sociedade, o passaporte para atravessar as fronteiras do desenvolvimento. Sem uma boa base as colunas desabam, o prédio da civilização se transforma em ruínas.

*

Viajo com olhos atentos, enxergo a magia do céu azulado e busco decifrar os desenhos abstratos das nuvens. Por que não se podem ler as mensagens das nuvens?

Vida

Ouça os sons do universo, a sinfonia das ruas, o ritmo do trabalho. Veja o cintilar das estrelas, o véu prateado do luar que se esparrama pela noite, o despertar do sol. Sinta a fragrância das flores, o odor da maresia, o aroma apetitoso dos alimentos.

Faça um giro de 180 graus, deixe o olhar vagar ao redor. Confira: a vida palpita, convida para a aventura da existência. Permita que a imaginação desenhe sonhos. São eles que conduzem a carruagem que leva às grandes conquistas do amanhã.

Geografia

Na Geografia de nosso mundo interior há rios, montanhas, praias, paisagens magníficas, recantos maravilhosos. E há infindáveis belezas à espera de quem se aventurar pelos caminhos da imaginação.

*

O sonho é uma fantasia de imagens em preto-e-branco que os psicólogos usam para interpretar a origem de improváveis traumas.

*

A praia é um parque de fantasias com castelos de areia, bailarinas de conchas e rastros na areia que as ondas desmancham.

*

As horas vagam nas veias do dia, tempo de olhar para a cortina do céu e arrancar um botão de nuvem na roseira azul.

*

Mesmo que o caminho seja difícil, cheio de rugas, é preciso avançar, prosseguir. À frente, depois dos obstáculos, as flores das realizações alegram o sucesso.

*

Não deixe que os sonhos se distanciem levados pela brisa do desânimo. Faça da determinação o antídoto contra o desalento e o castelo de nuvens se transformará em realidade. A vitória do ideal se constrói com arrojo e trabalho.

Bailado das Medusas

Pegadas na areia. Vultos difusos se movem, lentos, paralelos, quase juntos, mas separados, nunca se abraçam no afago do bem-querer. Parecem barcos sem comando, à deriva, na imensidão oceânica. Há sol, cheiro de algas e nuvens que flutuam. As horas jorram na cascata dos dias, semanas e meses escoam pelas corredeiras da vida. Raios vermelhos do entardecer indicam a proximidade da noite, passagem para a lua, brilho de prata no reflexo das águas.
Reaparecem as estrelas, olhos de fogo, diamantes flamejantes, que se comunicam à distância. Linguagem de pirilampos seresteiros no jardim de muitas flores. Cantigas de roda, pássaros no aconchego das árvores, em ninhos sagrados. Diálogo cifrado no enigma da esfinge. Movimentos suaves de bailarinas, coreografia encantada. E a respiração dos que se atormentam no vendaval de mágicas fantasias impossíveis.
As sombras se misturam, dissolvem-se na escuridão, os rastros são levados por sucessivas ondas. Mistério: a deusa do mar é ambígua, impenetrável, impossível interpretar códigos, descobrir segredos, o semblante de gelo nada revela. E Netuno permanece estático, contempla o vaivém dos caranguejos, o bailado das medusas, o canto dos golfinhos. Fica indeciso: prosseguir ou recuar? Subir em sua carruagem de sonhos, puxada por cavalos-marinhos ou retornar à gruta profunda e ouvir o murmúrio de espécies subaquáticas que se consomem em insaciável fome antropofágica?
Fusão de presenças, seres medievais retornam ao futuro, furor de batalha, mortos e feridos, cansaço de guerra. Toque de silêncio, folhas de primavera desprendem-se de galhos imponentes, planam ao embalo da aragem e se deixam seduzir pelo beijo frio de botas implacáveis.
Tempo de rever o mapa, escolher rotas, seguir sem rumo. A melancolia se derrama e ele, náufrago que se sente cinza como uma tarde chuvosa, soldado perdido que não reencontra a trincheira na insensata marcha da retirada, debate-se na maré alta, revê-se no imponderável espelho da vida, imagens interpostas que se multiplicam, reprisadas, pessoas que ele nunca foi, seres que se cruzaram em quadras distantes, mulheres que lhe acenaram e desapareceram em súbitos remoinhos, abismos, anos de areia que vazaram pela ampulheta furada.
Compreende que se afoga, aprisionado na rede, peixe amedrontado, sem possibilidade de emergir, elevar-se à superfície, ganhar asas, alçar vôos, transpor o espaço, atingir galáxias intocadas, penetrar em mundos selvagens onde as borboletas são eternas.
Tudo se movimenta rapidamente, velocidade da luz, o ontem e o hoje são breves passagens, porteiras que se abrem e fecham com furor, as estradas levam ao ocaso. Não resta alternativa, tanto faz seguir à direita ou à esquerda, impossível retroceder, evitar o afogamento. Braços pesam, pernas são de chumbo, apenas bala disparada, projétil queimado, explosão do impacto, alvo estilhaçado.
O corpo molhado goteja, membros se amotinam, não acatam ordens de avançar, lutar. Água salgada ou rios de suor e lágrimas? Não adianta se debater, prolongar a agonia, melhor entregar-se às correntes, submergir, submarino enferrujado, impotente para disparar torpedos e destruir as invisíveis grades que tolhem seus desejos. A sentença proferida: o sorriso foi banido de sua boca que se abre no espasmo do último instante.

Paulo Bomfim

Corredeiras do tempo

Paulo Bomfim

Hélcio Carvalho de Castro se fosse vivo estaria orgulhoso de seu discípulo Guido Fidelis. Mas será que o Hélcio não continua a viver suas “Andanças de Macunaíma”? Em algum lugar do tempo, numa esquina do espaço, na dimensão dos universos paralelos, Hélcio empresta o brilho ao texto e à textura de um cotidiano mágico onde companheiros desaparecidos se confraternizam em redações fantasmas. Evocando a lenda desse passado, vou descendo as “Corredeiras do Tempo” e aportando nos contos que me conta Guido Fidelis.

De há muito acompanho o garimpar de histórias do jornalista que conheci ainda muito jovem cursando a Faculdade de Jornalismo “Cásper Líbero”. Tem o dom de lidar com as palavras e de transformar a escrita em fatos insólitos. O cotidiano em suas mãos adquire roupagens inusitadas. Transfigura-se no exercício de seu mister num contista dos melhores. A surpresa navega o rio que vive corredeiras que nos convidam a aventuras diferentes.

O leitor certamente sairá renovado de seu mergulho em águas falantes de peripécias, e o Hélcio estará dizendo ao Américo Bologna:

- Esse Guido tem muito talento!

Corredeiras do Tempo


Guido Fidelis
Corredeiras do Tempo
São Paulo - RG Editores - 2001
134 páginas

Nascido em 1939, Guido Fidelis é um escritor cosmopolita, sensato, pé no chão, e sua pulsante literatura deixa pouca dúvida a respeito de suas preferências: drama policial com um aroma decididamente neonaturalista. Realmente, sua floresta urbana São Paulo é, mais frequentemente do que não, comprimida em um gênero ainda considerado opressivo. Porque apenas uma olhada de relance nos títulos das recentes obras revela tais tendências: por exemplo, É um Assalto (It's a Holdup; 1980), O Homem Fatal (Fatal Man; 1983), A Morte Tem Lábios Vermelhos (Death Has Red Lips; 1988) e A Reconstrução do Mundo (The Reconstruction of the World; 1994).

De qualquer forma, Corredeiras do Tempo (Rapids of Time), a última obra de Fidelis, mostra uma propensão marcante para a abstração acima da ação. Contemplação transcendental maior que compreensão física prova mais que o convencional, e de fato domina os mais de 30 ímpares contos, que quase medem somente um mero par de páginas de extensão. Há humanidade em suas inter-relações com as forças naturais ao redor. Raramente, o autor incorre na barbaridade, como que vitimado pelas epígrafes de Borges que apimentam os mini-textos por toda parte.
Ao invés de policiais e ladrões, o leitor se encontra imerso em atmosferas densas caracterizadas por uma forte ênfase no simbolismo. No final, a narrativa filosófica de Guido Fidelis chega através de curtas-metragens, ricos em lirismo e um prazer para ler.

Malcolm Silverman
Universidade de San Diego
World Literature Today

Hoje, amanhã

No giro terrestre tudo se renova:
as manhãs, as tardes, as noites.
Afinal, o que não pode ser feito
hoje será a grande conquista do
amanhã.