Fustel de Coulanges, no clássico “A Cidade Antiga”, escreve que “o passado nunca morre totalmente para o homem”. O esquecimento não chega jamais. Mesmo entre as brumas do tempo é possível resgatá-lo e repetir as lições deixadas, para o bem ou para o mal. Em suas ações, o homem reencontra as diferentes épocas e delas extrai os exemplos para seus combates no dia-a-dia de suas existências, com as devidas adaptações do momento presente.
A repetição da história é o que se vê no espelho da realidade. O ódio entre ricos e pobres, a dominação dos povos pelos tiranos ou pela oligarquia violenta. O jogo de necessidades e de interesses corrompeu os ocupantes do poder, e a orgia das negociatas transformou-se num escuro e lodoso mar, onde se avistam as sórdidas embarcações dos políticos que buscam, a qualquer preço, a satisfação de suas vaidades por meio do enriquecimento ilícito.
Parafraseando Aristóteles, pode-se afirmar que o político, depois de eleito, jura ser eterno inimigo do povo, e fazer-lhe todo o mal que puder. Mundo afora, uns mais, outros menos, convergem pelos mesmos caminhos, labirintos repletos de armadilhas para as vítimas que serão sacrificadas, ou seja, a população. Há os que confiscam bens dos governados para aumentar seus lucros, os que são mesquinhos por natureza e os que se deixam levar pela cólera desenfreada, vingando-se sobre o sangue dos inocentes.
Há os que usam o nome de Deus ou de Alá para se transformar em senhor das vidas e das fortunas. Abrem templos para arrecadar recursos, comercializam de maneira profana a imagem do divino, fantasiam-se de emissários, anjos perversos de ensandecidas paixões pelo dinheiro ralo roubado dos miseráveis, daqueles que acreditam em palavras vãs, em promessas inúteis. São sacerdotes que sonham com o poder, que desejam ter vassalos ao seu redor. Em breve, como no tempo da Grécia, alguns séculos antes de Cristo, as religiões voltarão ao seio familiar, ficarão restritas a determinadas regiões, onde um tirano estará de olhos abertos para acabar com a liberdade e expurgar os inimigos.
Na política, o passado já invadiu o presente e domina a cena de um espetáculo degradante. Em muitos territórios, há matanças generalizadas de inimigos; em outros, ditadores perversos aprisionam e assassinam sob o signo de combate a opositores. Muitas vezes, são aplaudidos pelos adoradores, os que desejam imitá-los, assumindo postos de mando para dirigir os destinos das multidões, obrigadas a se ajoelhar ante seus pés imundos.
Mas há, ainda, os que, travestidos em defensores da democracia, também sonham em se perpetuar nos galhos pobres onde defecam as fezes de seus intestinos entupidos em almoços e jantares, em longos bacanais. O maremoto de lama invade palácios e residências, respinga em parlamentares de bases governistas, em partidos que ergueram as bandeiras da ética e da transparência, estandartes que se mancharam com o lodo dos esgotos.
Agora, a bomba está prestes a detonar. Parlamentares nadam contra a maré, tentam reencontrar a fórmula da impunidade, precisam calar a Imprensa, deusa poderosa, sem afeições nem benevolência. Preferem o apoio dos eleitores pacatos, os que recebem pequenos favores, um pacote de macarrão, uma esmola qualquer. Eles não ousam raciocinar, não discutem, servem de claque, oferecem-se para gritar palavras de ordem, um exército de fantoches à espera da ordem unida de seus líderes.
Que dizer sobre o ritual do dinheiro? Malas, malotes, pastas, todas recheadas. Milhões e milhões desviados dos cofres públicos para saciar a fome de políticos. Mensalões e bônus para custear as farras gastronômicas, as bebidas e os charutos, roupas de grife e, ainda, o pagamento dos acompanhantes, belas amantes e garotos de programa, dependendo da orientação sexual do freguês.
Quais as aspirações do povo que são defendidas? Apenas aquelas originárias de grupos, sejam eles ruralistas, evangélicos, da jogatina, das drogas, dos direitos humanos dos criminosos e daqueles que querem mais recursos à custa da elevação de tributos e criação de taxas. Sustentam ONGs e instituições de seus interesses pessoais. Ao povo, uma banana, ou o sopão dos miseráveis, um caldo azedo destinado a adoçar bocas famintas.
Voltando a Fustel de Coulanges: “A sociedade atravessa uma série de revoluções e muda de aspecto”. Mas das brumas do passado renascem os fantasmas. Com outros aspectos, novos disfarces. Tudo para repetir, de maneira grotesca, os ensinamentos dos velhos políticos, com os mesmos sonhos da dominação pela tirania. Apenas com outros nomes, mas com o uso da mentira e do disfarce. Como diria Chacrinha, o velho guerreiro: “Nada se cria, tudo se copia”.